28/07/2014

UM TEXTO MARCANTE

"Em Matosinhos, nos últimos anos, parece tudo ruir. Foi com esta frase que um jovem, quadro de Matosinhos, abriu, há dias, a sua página no Facebook. Analisada bem a situação ela transmite um estado de espírito. A realidade infelizmente corresponde e só um discurso, bem elaborado, mas muito longe do ambiente que respiramos, consegue disfarçar esta cruel situação. Matosinhos tem perdido quase tudo.

Perdeu emprego. "Perde" os quadros jovens que abandonam a sua terra à procura de emprego. As famílias a endividam-se. A pesca esvazia-se. Matosinhos-Sul perverte-se. O Leixões, mas também o Leça e o Infesta, correm sérios riscos. Perdeu-se Serralves, o museu das conservas, o museu da cidade, o centro de ciências do mar, o museu de arquitectura. Até o Centro de Arte Moderna Geraldo Rueda, inaugurado, com pompa e circunstância, por Passos Coelho e José Maria Aznar, não resistiu mais que dois anos e também se perdeu.

Agora Matosinhos está perto de perder o respeito e a afectividade de Siza Vieira e um dos preciosos acervos artísticos e técnicos. Tal como acontece com talentosos jovens quadros de Matosinhos que "fogem" para o estrangeiro à procura de trabalho que não encontram na sua terra, também o espólio pessoal e técnico do "arquitecto do mundo", Siza Vieira, poderá ir para outros lados.

Perdeu-se o espólio de Alcino Soutinho e Fernando Távora que seguiu para a Fundação Marques da Silva, da Universidade do Porto, com os Herdeiros a transmitirem "desencanto" e "tristes" com "a Câmara e atitudes do presidente". Os contratos assinados, com cerca 15 arquitectos, para a doação de espólios caducou e nada foi feito. O museu de arquitectura, nos últimos dez anos, apenas mudou de nome. Deixou de ser museu para ser casa de arquitectura e está praticamente colocado no "arquivo morto".

Em 25 de Junho de 2009, "para o número 582 da Rua Roberto Ivens, em Matosinhos, confluem alguns dos mais emblemáticos arquitectos do País, designadamente Siza, Souto Moura, Soutinho, entre outros, governantes do Governo de Sócrates, designadamente, o ex-ministro da Cultura, Pinto Ribeiro e os autarcas, todos os autarcas, na altura eleitos pelo PS agora todos contra o PS. O trânsito fica interrompido, filas de carros de alta gama, chamavam à atenção. Era a inauguração do Centro de Documentação Siza Vieira na antiga residência do arquitecto. Foi uma festa. Segundo reportagem da Visão "...esta seria a sede provisória e embrião da futura Fundação Casa da Arquitectura, a edificar numa encosta do concelho, em terrenos cedidos pela APDL, sob projecto do próprio Siza. O edifício teria, anunciara-se, 11 mil metros quadrados, incluindo biblioteca, sala de conferências, auditório, gabinete de estudo e manutenção de espólio, área expositiva,arquivo, cafetaria e parque de estacionamento, na maioria áreas públicas divididas por oito pisos. Grandioso? Sim. Era tudo grandioso. Governo Sócrates e Câmara não faziam por menos. Sim tudo grandioso, mas apenas nos discursos. No início, admitira-se um "custo de 20 milhões de euros, com recursos a fundos comunitários, mas as coisas não iriam passar-se exactamente assim."

Bom demais, não acham?? Havia mais. "Quinze arquitectos assinam, na ocasião, um protocolo com a autarquia, no qual manifestam intenção de ceder os respectivos espólios à futura Associação..." Siza emocionou-se e manifesta uma grande alegria por ser dado o "primeiro passo para o arranque da casa da arquitectura" que antes era Museu. Ficou entusiasmado. Viajou, para se inspirar, por importantes museus de arquitectura do mundo, Moscovo, Frankfurt, Roterdão e Montreal. Tudo Museus, mas em Matosinhos, para se marcar a diferença, chamar-se-ia Casa de Arquitectura. Em 2011, Siza, apresentou o projecto e maqueta a outra ministra de Sócrates (ministra da cultura Gabriela Canavilhas).

Álvaro Siza Vieira sempre considerou que "a Casa de Arquitectura é algo necessário para não se perder o arquivo arquitectónico nacional". O Governo de Sócrates foi mais longe ao afirmar "... A Casa da Arquitectura é um tributo aos grandes arquitectos que nasceram no norte e que emprestaram o seu nome ao prestígio que Portugal granjeia do ponto de vista internacional." Tudo muito bonito. Bons discursos, mas, como se lê na Visão, ainda não havia casa. Nem museu. Nem sequer primeira pedra. Nada. Só sombras. Discursos. Promessas. Exercício da "ciência" da ficção. "Não tinha passado dois anos sobre aquele final de tarde promissor, no dia dos 76 anos de Siza, e já os custos estimados, pela autarquia, para a obra tinha mais do que duplicado." Passados cinco anos, nem 20, nem 43 milhões. Nada. Mesmo nada. Existem notícias, papel, discursos, mais discursos, promessas, muitas promessas, com outras tantas ilusões. Um autentico exercício de ficção. Tal como a delegação de Serralves, o museu das conservas, o museu da cidade, o Centro de Arte Moderna Geraldo Rueda, também o museu ou casa (como queiram) de Arquitectura, ficará para a história como um "museu de papel no arquivo morto" para os nossos filhos e netos tentarem saber como é isto possível acontecer. Um dia ainda vou ouvir um discurso onde se afirma: "se A. Costa ganhar teremos museu". Perante tanta evidência e factos inequívocos começamos a perceber o alcance da frase da autoria de um quadro jovem Matosinhense quando, de forma expressiva, escreveu na página do Facebook: "Em Matosinhos, nos últimos anos, parece tudo ruir..."

(NARCISO MIRANDA, in "Jornal Matosinhos"
.