06/06/2017

STA. CRUZ DO BISPO, um olhar

A vida quotidiana das pessoas que partilham a vizinhança com os pesos pesados da indústria. Nomeadamente os camiões, contentores e centrais eléctricas. Mário Antunes mostra o cenário de guerra em que se transformou Santa Cruz do Bispo, Matosinhos…
 
Alegre e bem-disposto. É assim que Mário Antunes recebe quem quer saber mais sobre Santa Cruz do Bispo. É o seu local de residência há mais de quatro décadas. A sua cronologia mistura-se com a do lugar. Por ele combateu e enfrentou as sucessivas forças políticas que não partilham a sua visão. O tempo provou que estava certo. Actualmente, a sua terra, está esquecida, abandonada por más decisões administrativas que deixaram os moradores – de um sítio pacato, encantador e carregado de história – a partilhar espaços com grandes parques para contentores e edifícios de apoio logístico e uma central eléctrica instalada numa rua principal.
 
Santa Cruz do Bispo é uma freguesia do concelho de Matosinhos com 3,75 km2 de área e cerca de 5.600 habitantes (fonte INE, 2014). Em 2013, no âmbito de reforma administrativa nacional, formou uma nova freguesia denominada “União de Freguesias Perafita, Lavra e Sta. Cruz Bispo”. À memória ressalta o património histórico do Monte de S. Brás, Homem da Maça e seu bicho, Quinta de Santa Cruz e Ponte Romântica do Carro. Foi escolhida para acolher o “Parque Diversões Raf Park”. Um projecto para reavivar o conceito de feira popular e parque radical. Ideal para os que procuram aventura e adrenalina. O parque abriu portas a 26.06.2012 para fechar quatro meses depois. Várias desculpas foram apresentadas para esconder uma triste realidade: o projecto falhou e o abandono é evidente. O passar dos anos, constantes indefinições políticas e grande força do vandalismo foram implacáveis para com o parque. Completamente pilhado de tudo que tem valor. É assim que o recinto se apresenta. Um foco de perigo para incêndios, dado o crescimento visível de matagal e insegurança para os romeiros do Monte S. Brás.

Desde 2011, o lugar foi escolhido para acolher um projecto megalómano. A plataforma logística teve como objectivo a criação de dois pólos industriais: o Pólo Gonçalves (Sta. Cruz) e o Pólo Gatões (Guifões). Expropriações urgentes, construções desmesuradas e muito dinheiro para desperdiçar. Foi esta a fórmula que modificou o cenário bucólico e o transformou num postal ilustrado da Síria. Hoje é sabido que este projecto falhou redondamente e será quase impossível reparar as cicatrizes territoriais. A via principal de acesso rodoviário – destinado a retirar a circulação de camiões do centro da cidade – termina, ou inicia, na Rua das Escolas (curiosamente construída para acesso à escola). Há passeios para os peões que terminam abruptamente numa parede, obrigando à circulação pela estrada. Há sinalização vertical que é desrespeitada constantemente. E, contudo parece que a conivência das autoridades é um dado adquirido.

A passagem pela Alameda Infanta Dona Mafalda é quase obrigatória. É o ponto de acesso às novas ruas que foram construídas para o tráfico de trânsito pesado. Baptizada localmente como a “Rotunda da vergonha”, reflecte a falta de capacidade, das entidades responsáveis, em cumprir as mais básicas regras do código automóvel. A Rotunda está pintada no asfalto! Mais depressa se confunde com uma obra decorativa. As passadeiras dos peões terminam no centro da rotunda. Para onde vão? Não interessa. É a política do desenrasque e ausência de responsabilidades.

A visita está terminada. É bem patente a tristeza e amargura do nosso guia. Não é esta a visão que teve há quatro décadas. Não é este o futuro que pretende. Tem muita dificuldade em lutar contra as mentalidades politiqueiras locais que recusam admitir a falha do projecto megalómano de José Sócrates e não têm capacidade administrativa e financeira para devolver alguma qualidade de vida aos moradores cercados pelos contentores, camiões, confusão e barulho ensurdecedor. Mas que cumprem, como qualquer outro, com as elevadas obrigações fiscais.
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